13/10/2007

despedida no parque

João Herald, 47 anos, casado há 21, é um famoso publicitário. Tem uma carreira estável e já recebeu alguns prêmios por seu talento e criatividade.O cabelo liso e de fios fortes, saudáveis, começa a ganhar as primeiras mechas brancas. Além do rosto de belos traços, um tanto europeus, João possui um olhar sério e rude que lhe confere um ar muito conservador.Quando sobra tempo, costuma caminhar por um bucólico parque localizado ao lado de sua mansão, num imenso condomínio de luxo.O parque está sempre lá, lindo e perfumado, mas João tem pouco tempo livre e às vezes passa meses sem se dar este pequeno prazer. Mas eis que hoje ele resolveu aparecer.No momento, está parado no meio do campo a fitar o nada. Atrás de João, estende-se uma verde relva coberta por diversas espécies de flores silvestres. Os pinheiros exalam seu hálito fresco e amadeirado, junto à fragrância das doces orquídeas ricas em néctar. Pequenas abelhas besuntam-se no pólen de um amarelo muito vivo.Espumas suaves e brilhantes, cor de prata, formam-se ao pé da pequena mas bela cachoeira, que escorre suavemente dos montes rochosos sobre uma fina camada de musgo verde.Pequenos pássaros ensaiam vôos tranqüilos no ar fresco desta manhã de agradáveis 25°C, em plena primavera.Há tantas amoras forrando o chão nos arredores do gramado, que seu perfume leve e agradável se espalha pelo ar à medida que os periquitos as bicam, cientes de sua doçura e maciez.João nada vê, nada ouve, nada sente. Está atormentado, sua ira destoa dessa linda paisagem. Há traços de dor e de profunda indignação em seus olhos azuis, que piscam duros, aparentemente incomodados.Sim, algo muito grave aconteceu. É a 1º vez que João ignora a presença dos esquilos, peludos e macios, seus amigos desde a infância, quando o parque fora construído!Ele só olha para frente, parece falar com alguém, suas pupilas dilatadas, fixas em um alvo próximo, a boca balbuciando palavras ininteligíveis, João franze o cenho, aperta as pálpebras como quem sofre de fotofobia, soca o ar, aproxima as pontas dos 10 dedos, como se espremesse algo. O pescoço de algum infeliz..."Isso foi demais!" - Pensa ele. Essa promoção dada a Alexandre, maldito colega de trabalho. Um novato, um moleque, de barba começando a surgir...O fato é que a grande impetuosidade do menino, que acabara de conquistar o mestrado em propaganda e marketing, ajudou-o a atingir metas das quais João, ultra-conservador, sempre contrário a correr riscos, mantinha uma certa distância. Foi uma promoção justa. Exceto aos olhos de João."Eu estou há 25 anos levando o nome dessa empresa às alturas e só porque um moleque ganha uma estatueta de ouro em um prêmio internacional de propaganda e marketing, é promovido a diretor executivo!!""Não admito ser comandado por um pirralho 20 anos mais novo do que eu! Malditos fascistas cegos e malfeitores! Eles me pagam!!"De repente, João leva a mão ao peito e cai, com os olhos arregalados. De rosto colado na grama macia. Alguém o viu, chamou a ambulância, os enfermeiros chegaram. Tentaram reanimá-lo, mas foi inútil, João já chegou morto ao hospital.Sua imensa inveja tirara dele o que Deus havia lhe dado de melhor. João era um mau perdedor. Desde criança jamais aceitara o 2º lugar. A morte foi inevitável, no estado de "stress" e neurose em que se encontrava nos últimos meses.O velório não foi muito longo, para evitar a presença de curiosos. Já bastam os abutres da imprensa.Finíssimas gotas de garoa abençoavam as coroas enviadas por amigos e empresas, entre elas um grupo cervejeiro, que devia parte de seu sucesso ao talento do respeitadíssimo marketeiro João Herald.O sino da catedral bateu 12 vezes, era meio-dia e o sol já se abria radiante, secando as lágrimas dos entes queridos, amigos, artistas, todos tão pálidos e trêmulos de dor. O governador discursou brevemente e então o caixão desceu.Ao longe, ecoava o triste canto de um pássaro solitário. As borboletas voavam entediadas e as flores não pareciam tão alegres e coloridas como de costume.Um esquilo deixou, de propósito, cair a amêndoa sobre o jazigo da família, mas João não poderia escapar dali para brincar com seu amiguinho roedor. Os dias felizes agora estavam enterrados para sempre. A amêndoa rolou e ficou depositada na grama ainda úmida. O esquilo não foi buscá-la.

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